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Chuva Por Murilo Lamegal

By : Murilo Lamegal
Ele estava parado no meio da multidão. Sentia-se assim há algum tempo, como um câncer, uma anátema. Passara as ultimas duas semanas fora de casa, dormindo na porta de bares e em motéis baratos, sentindo-se podre, sujo. Em seus olhos, lágrimas brotavam toda vez que lembrava por que estava ali. Era um bom motivo, sim. Poderia ser o quarto ou quinto dia do mês, mas ele não se lembrava. Sua mente estava em outro lugar e seu coração, mais longe ainda. Sentia frio, mas não era físico. Estava sozinho entre milhões de pessoas tão frias como ele. Naquela sociedade aparentemente utópica com seus requintes de crueldade, ninguém se importava com ninguém. Nem ao menos se conheciam. Toda ajuda era negada, ignorada. Tudo estava podre, vazio, assim como ele. Caminhava pelas ruas, maltrapilho. Desgraçado de sua própria vida. Tivera sua alma retirada por uma mão gelada e seu corpo jogado às traças como um nada. Era de se esperar tal reação. Louco. Em suas definições de loucura estava ele, preso em um loop continuo de continuar fazendo a mesma coisa, de novo e de novo, sempre esperando um resultado diferente. Não havia mais o motivo. Este, há tempos, esquecera. Tudo que restara eram os fragmentos, pequenas lembranças. Seus olhos, sorriso. Seus leves pensamentos, sua adorável voz. Fitava o céu noturno, sentindo a chuva cair em seu rosto. Queria que a mesma leva-se embora tudo de uma vez, que o torna-se um vazio completo. Mas não, o azar era maior, sua dor era imensa. A angústia de querer gritar e nunca ser atendido. A dor de ter o seu bem mais precioso esmagado. Perdido.
De olhos fechados, podia sentir a multidão esbarrando em seu corpo inerte. Era como se fosse um poste ou algo parecido. Um senhor de idade esbarrou e o xingou de nomes impronunciáveis. Nem ao menos conhecia o garoto. Apenas estava estressado com seus próprios problemas e complicações pessoais. Era um coração cinzento, sua chama quase se extinguindo. Ele não precisava abrir os olhos para ver. Sentia. Como ninguém jamais sentiu. Tinha a dor carregada em seu inconsciente, persistindo em latejar, a clamar por nomes que se espalhavam pelo chão como cacos de vidro. Dentro de sua própria mente, o garoto gritava, chorava lágrimas de sangue. Queria lutar, queria correr para longe e abraçar. Mas não podia, sabia disto. Só poderia desejar o melhor, para aquela pessoa, é claro.
O garoto perdeu para si mesmo. Chorou, lutou, tentou o seu melhor. E mesmo assim não fora o suficiente. E agora mesmo, nesta calçada, nesta avenida imunda, seu corpo está de pé, apenas aguardando. A chuva cai sobre seu corpo, encharcando sua roupa. Continua a encarar as estrelas, que de tão belas, brilham como nunca antes. Um sorriso forma-se em seu rosto, tentando manter-se firme, seguro. É preciso, seus fragmentos necessitam disso. Finalmente ele entendia o significado das coisas, ou apenas pensava entender em sua loucura desatenta. A multidão falava alto, ao mesmo tempo. Um chiado se iniciava. A loucura sussurrava em sua mente, abraçando cada vez mais seu pobre corpo mortal. Um passo. O chiado aumenta e se transforma em pancada. O som atinge o garoto como um raio. Feroz, insaciável, fatal.

Ele está parado no meio da multidão. Apenas aguardando...

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